sábado, 1 de dezembro de 2012

sobre ser poeta


Queria ser poeta. Poeta na forma de poeta, no isolamento de poeta.
Dizer do amor que tenho, como diria um poeta.
Ser pequeno diante do que escreve, como um poeta
E grande pelo que escreve, como um poeta.
Olho para as coisas como um poeta,
Mas não tenho a paciência de ser poeta como meu pai em sua paciência a consertar relógios e em trabalhar com números.
Não tenho paciência para ser poeta com a loucura de minha mãe,
Poetas precisam de paciência.
Não tenho a vontade de contar – como um poeta –  que vi meu tio construindo um barco dentro do Guaíba,
Que vi um homem solitário, uma mulher louca e um centro de cidade caótico hoje,  tudo pela manhã.
E que descendo pela Rua Senhor dos Passos, vi o lugar em que espero o ônibus, todo escuro, porque era dia.
[Eu o vejo sempre à noite e, descendo por essa rua mal-iluminada, ele é inteiro luz.]
Tenho a irritação de um poeta louco. Mas não a paciência da forma poética.
Tenho e guardo em mim toda a dor de uma poesia que não nasce,
De um amor que não vivo,
Mas não tenho a cara à tapa do poeta.
A coragem do poeta, que é, para ele, mais falta de escolha do que coragem.
Em entender como coragem, já estou sendo covarde.
Tenho a não-escolha de um poeta. Tenho a escravidão de um poeta.
Tenho o choro de um poeta, o cansaço do poeta, a latência e os vícios de um poeta.

A poesia é mais do que a forma? É mais do que o trabalhoso debruçar dos cotovelos, das mãos nos cabelos, do que a insônia fértil...?
É mais do que as musas, do que os namoros nas sacadas, do que as cartas de amor que jamais leríamos em voz alta...?
Já sou poeta. Ainda não estou bem segura disso, mas penso em repensar – penso em repensar, porque também tenho a indecisão de um poeta.
E quando voltarem a me dizer, rirei [em] falso como um poeta.
Negando quem não me nega, filha ingrata.
Negando quem me impede de querer menos, de ver menos, de ser menos.
Quem me dá a mão pra andar na rua, meu forte contra a loucura, contra a covardia do Tempo.
E sobre a forma, o Pessoa -  na verdade, o Caeiro -  disse-me isso hoje:

“E há poetas que são artistas
E trabalham nos seus versos
Como um carpinteiro nas tábuas!...
Que triste não saber florir!
Ter que pôr verso sobre verso, como quem constrói um muro
E ver se está bem, e tirar se não está!...
Quando a única casa artística é a Terra toda
Que varia e está sempre bem e é sempre a mesma.”

Por hora, não tenho nenhuma intenção de contrariá-lo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

tão dezembro

Cheguei cansada, ofereci minha conversa fiada pra quem estivesse em casa - e não num bar - e pudesse me curar a dor de cabeça com risadas. Ainda bem que não me retornaram, porque dormi tanto que até sonhei. Acordei agora, com frio, com fome e uma dor no ombro. Não tem água gelada. Tem só um sms bonito, uma caixa de entrada feia, digo, cheia!
Nessas dormidas fora de hora, sinto como se caísse meu disjuntor, como se fechasse a bilheteria, como se eu pudesse ter um instante de lucidez e dissesse não pra um monte de coisa. Não dura muito e fica sempre essa sensação de que mais acordo do que durmo. 
Então eu vou ouvindo Caetano, vou lendo atrasados, escrevendo bobagem. Pensando a vida de um jeito tão dezembro.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Perder o sono, desengavetar músicas que doem uma dor boa, esticar a mão até a poesia da cabeceira, descer da cama, subir a ceva e a persiana.
Essa é de se ouvir com a cabeça para os pés da cama e os pés na janela, olhando para o céu, mesmo que o céu tenha sumido atrás daquela luz cegante do poste, que iluminaria o bairro inteiro, se o bairro inteiro ficasse na mesma altura da minha janela.





domingo, 18 de novembro de 2012

o que se aprende errando


O tempo tem um poder incrível, que talvez seja só dele, de curar tudo o que é dor e só deixar o que presta.
Esse tal poder nos falta. A gente fica remoendo as coisas, faz todo o processo, dá uma volta por fora e foge do que dói. Foge de dar explicações. Foge de ter que ver no outro um olhar de saudade que não é só pra gente. Não é mesmo muito fácil de entender.
E é curioso que, tentando nos afastar das comparações e das lembranças de uma história que incomoda, a gente chegue tão perto de cair no mesmo erro.
A gente se dá conta antes e vai ver que abraço e choro é só pra quem sentiu saudade e é nos olhos que se sente. Nos vimos uns aos outros.
Contra o tempo que não volta, só temos o tempo que existe e voltar é quase como não ter partido.
Abertas em braços, sorrisos e nada mais.

domingo, 28 de outubro de 2012

quarto

Dormindo de favor, num "naco" de cama porque no resto dela tem livros, fotos, papéis e canetas que mancham todo o lençol. Tem também um par de sapatos novos e uma mala semi-desfeita [a minha vontade de continuar partindo e o corpo-mole pra voltar].
O notebook e a luminária estão no chão, porque na escrivaninha só tem roupas, porque roupa é a última coisa que tem na arara, onde há um misto de tudo.
É pelo chão também que se forma uma suruba de sapatos, uns separados de seus pares, outros formando trios, baixos, altos, tênis, chinelos...
E no criado-mudo o que vejo são tampas de garrafa, bolachas para o copo - que o acompanham, sempre ao lado, nunca embaixo - grampos de cabelo e uma foto de infância sentada em que estou sentada em uma prancha de isopor.
Mas esse é meu quarto. E isso tudo sou eu.
Eu passo por debaixo da porta, peço licença, me encolho, me divido, deito por cima.
Não vou correr ninguém daqui.

domingo, 30 de setembro de 2012


Dois passarinhos namoram e cantam escandalosamente ali fora enquanto eu estendo as roupas pretas - todas pretas - no varal. O que pude entender da canção dizia: "Chega de drama, menina, ninguém morreu."

minha nova pressa

Eu sempre fui tão amarrada, tão corpo-mole para decidir coisas importantes. Um passo pra frente, dois pra trás. As pessoas que me chamavam de apressada deveriam ter me conhecido hoje em dia.
Deveria estar feliz porque  hoje finalmente me sinto diferente, tenho pressa tenho o mais sincero pavor de esperar e isso não se resume somente às ansiedades diárias. É muito mais do que medo de perder o horário, de perder o pique, de perder a coragem. É uma pressa de medo.
É uma vontade de que tudo aconteça logo, vontade de poder  ir embora, de ter alta na terapia, diploma na mão, os carnês quitados, a cura do amor. Vender tudo, escrever duas ou três cartas e sumir. Uma pressa de ter os filhos já crescidos, de que os cabelos fiquem brancos todos de uma vez, de que os problemas se resolvam, de que os peitos não precisem mais ficar de pé. É uma pressa de atropelar essa vida que me engoliu e pra quem fui super disposta, digestiva, obediente.
É uma vontade enorme de olhar para trás e poder chamar o passado de passado e de mal enxergá-lo, mal sentir seu cheiro e ter uma memória tão míope quanto meus olhos. Meus olhos! Eu os arregalo pras horas que já são! Já é hora de ir, já perdi o dia de Sol, já virei a noite inteira, já estamos no fim do mês... Já! Não posso contrariar os pavores dos outros para que respeitem os meus, então escondo minha mágoa de que o tempo correu muito menos do que eu quis. Eu tinha muito mais pressa. Eu tenho um relógio diferente no bolso e o ouço tão lento que ele parece caçoar de mim.
As ondas do mar que sempre me derrubaram com sua pressa, hoje dançam um balé em câmera lenta na minha direção. Não se aproveitam mais do meu desaviso ou imprudência, me chegam lentas e mal me respingam as pernas. Quero que me publiquem logo num Vida e Obra,  mesmo que essa Vida e Obra se limite a um retrato de família, um bilhete escrito a um amigo, ou esse escrito aqui mesmo.
Eu tenho hoje uma pressa que não cabe mais em mim, que não me deixa pensar e há quem possa achar isso tudo muito triste, e pode ser, até, mas também foi bem difícil viver a vida toda de outro jeito: querendo segurar o tempo nas mãos, desejando muito mais do que podia caber dentro do tempo. A pressa, hoje, é meu plano de fuga.
E feliz ou infelizmente, ao final disso tudo que disse, reconheço na pressa uma outra forma de desejo, e acho o desejo mais confiável do que o tempo. Há tempos que o tempo me promete bem mais do que pode cumprir. 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

AMIGO TEMPO


Eu ando devagar, eu sigo andando
Eu dou a vez, para carros passarem
Eu dou licença aos que não pedem
Eu espero, aperto o botão e espero o sinal abrir.
Eu tenho a paciência de quem não sabe se vai,
Mas vai.
De quem tem um carnaval pela frente,
Mas depois
Eu tenho a calma de quem respira e sente,
A calma de um mundo nas mãos
E sigo adiante,
E  ando na ponta dos pés para não assustar a surpresa
Que me espera
Ali.
Para não afugentar a peixes e pássaros.
Eu guardo pedras e alimentos,
Eu guardo pessoas e a poesias
Eu guardo a melodia das canções onde não entro
Eu guardo as memórias,
E reconheço o valor.
Eu reconstruo, recorto e colo
Experimento de novo o que não serve
E jogo fora.
Eu mudo os lugares pra onde correr
E para quem.
Eu invento, eu espero, eu to firme, 
Eu desisto.
Eu vou na carona do tempo,
Eu danço os dias e as noites
Eu durmo pra vida, dou um tempo pra ela
Mas eu acordo, me espera.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Um dia decido mudar de vida.
No outro, decido mudar é de idéia.


Qual será minha próxima super nova decisão que não cabe no dia, na semana, no semestre e no dinheiro do mês?






quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Saí da sessão de terapia vazando. Nunca dá tempo o bastante pra lavar, torcer e secar as mágoas.
Vim tentando juntar umas coisas e colocar no bolso pra ver outra hora, mas, não tendo bolso, fui colocando goela abaixo mesmo, daí atravessou.
Temos um problema: eu não sei cadê a verdade, eu acho que minto em juízo às vezes.
Ela me diz que é complicado, que só acuso a mim mesma, que me enfio o dedo na cara, me abraço com os pregos e beatifico os culpados.
Me canso antes de tentar revidar e fico com raiva depois, perdi o momento, perdi as palavras, perdi o caminho.

Muito bem, mas pra que ficar assim, engasgada...?
Não sei, só queria me render a essa vontade de ir pra casa, pintar as unhas e chorar.