terça-feira, 15 de outubro de 2013

Carta a Vinicius de Moraes


É a segunda vez, Vinicius, que acordo nesse assombro de ter esquecido teu aniversário. A primeira foi em fevereiro e, de tanto medo, fiz um lembrete. Hoje, dia 15 do mês certo, acordei tristonha, acho que sonhei contigo e, de novo, achei que já tinha passado. Imagino que não te importes muito com aniversários a essa altura e, se te importasses, farias uma festa e eu ouviria daqui. Eu te diria tantas coisas, fosse hoje teu aniversário, Vinicius. Diria tantas coisas, se pudesse. Diria que amo e odeio todos os homens que, de certa forma se parecem contigo. E te diria que te amo, mas estarias bêbado e ririas de mim, me mandando beber e rir também, porque sou louca. Te diria que aprendi de amor contigo, o bom, o ruim, o errado, não tendo agora para quem reclamar. Tenho tentado beber uísque,  sonhando beber contigo. Seria um desrespeito dividi-lo com qualquer outro homem que fosse, como dividir minha poesia também seria. Então me calo.
Há tanto em mim que eu queria te contar, Vinicius e tanto nesse mundo que jamais te contaria, já que não vistes, melhor assim. Mas te contaria da minha luta contra as gravatas - que, para as mulheres, vieram ao mundo em forma de salto alto. Te pediria ajuda para falar melhor em público e, de novo, me mandarias beber e rir. E rir e beber e continuar. Te obedeço sem me mandares.
Não te faria nenhuma pergunta quase, Vinicius. Não sairia de perto de ti, fosse hoje teu aniversário. Não deixaria teu copo vazio, nem a cinza cair acidentada sobre tuas calças. Te riscaria um fósforo para assoprares como vela. Seria alegre ao teu lado, se te pudesse bater nas costas e dizer "parabéns", "obrigada". Te abraçaria com a saudade de quem te via todos os dias, de quem te dava um "amor prestante". Mas ainda não é teu aniversário, sofro esse vazio antecipado. 
Mas te escrevo, poeta. Espero que leias e que daí de longe me respondas, como um santo que atende uma prece. E que me remetas de volta qualquer coisa semelhante a poesia, qualquer coisa perto de amor.

sábado, 22 de junho de 2013

papo de doido

As verdades empurram as mentiras e as esgoelam pra que parem.
A imaginação, que é muito safa, entra descalça na sala e defende por horas que não é hora de fugir:
- A cama é elástica, o pé direito é alto e se a cabeça bate, cairás bêbada e risonha dessa alegria idiota que é ser livre.

Tão pesado já é o fardo
De estar sã
Não me peçam agora
Que fique sóbria
Que me desfaça das barreiras
Que criei contra o mundo
Que eu prefira os ruídos
Viciados e viciantes
Da cidade
Ao invés de uma música qualquer
Não me peçam
Que eu exponha
Esse lugar dentro de mim
Onde escondo meus repúdios
Esse lugar não será visto
Nos meus olhos
- eternos fugitivos -
Nem por minhas palavras
Nem pelo meu gesto de ausência

Se há complicação bastante
Na minha escrita
E isso não parece meu
Não ligo
Na verdade
Eu também me engano
Quando me descomplico pra viver.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

SONHO

Espio pela fresta da porta antes de entrar
Tento não fazer estragos
Tento achar a luz, antes que ela me cegue
Ouço barulhos que estão dentro de mim
Nas gavetas internas
Gente andando
Um aviso que diz "fuja!"
Passo os obstáculos
E o que derrubo, cai de mim
Quase enxergo, mas não chego
As paredes que toco são grades
E o que misturo com as mãos
Me constitui.

Não tenho medo de nada,
Não rejeito
Esse sentimento que é de entrar-sair
Esse sentimento que é tocar a cegueira
Tudo isso sao alucinações possíveis,
São passos,
São meus limites noturnos.

domingo, 3 de março de 2013

querer e não


Nas horas raras em que me encontro só
Nessa névoa de angústia que é
Não querer estar sempre aqui.
Chego a pensar que é minha solidão,
Sempre tão amada,
Que me deixa assim, atordoada, cega,
Descarrilhada nos trilhos do meu desejo.
É um estar aqui que é estar lá
Uma cabeça que dói,
Uma vontade de discar um número
- Mas tinha de ser discar mesmo
Para ir pensando enquanto isso -
No-que-é-mesmo-que-eu-ia-dizer...
É um pesadelo acordada
Pavorosíssimo...
Olhar para trás
E ter de ficar me puxando pela mão
Será mesmo possível isso...?
Quero um disfarce:
Se homem, era só me deixar crescer a barba, o cabelo.
Enquanto mulher, fico imóvel
Diante das possibilidades todas
De corte, de cor, de alegorias
E sigo igual, por fora,
A despeito do que se passa dentro
E tolero qualquer julgamento
Por não ser tão transparente quanto digo
Mas a gente escolhe o que veste para sair
E não posso ir do avesso em qualquer lugar   
Me mostrando inteira.
Há cicatrizes que chegam antes da gente nos lugares
E há de se ter paciência pra dizer que
"Olha, tudo bem..."

Eu quero escrever uma história
Mas não sobre mim, porque eu sou chata.
Ninguém gostaria de mim
Se não fosse meu humor
Nem mesmo eu.
Quero ainda a forma escrita
Que não alcanço nem à mão
[a letra do fim é diferente da letra lá em cima]
Quero me sentar sem ter nada o que fazer
Veja bem, eu sento às vezes
Mas com essa cabeça aqui, não dá...
Onde há coisas caindo das prateleiras
Onde está tudo o que me dizem,
Onde está o argumento do mundo.
Não quero uma cabeça 
De despensa que despenca.

Quero estar bem aqui
Na minha solidão que é festa
Quero ir aí e resolver.
Quero ir ao Rio de Janeiro
E voltar.
Quero ir a Portugal
E voltar
Porque quero apenas chegar
E partir de novo.
Eu estou bastante louca
E ainda ouço me usarem de exemplo
Pra uma coisa ou outra
[e rio com sinceridade!]
Enquanto me sinto uma borboleta
Num canteiro de obras:
Discreta. Inútil.