domingo, 30 de setembro de 2012


Dois passarinhos namoram e cantam escandalosamente ali fora enquanto eu estendo as roupas pretas - todas pretas - no varal. O que pude entender da canção dizia: "Chega de drama, menina, ninguém morreu."

minha nova pressa

Eu sempre fui tão amarrada, tão corpo-mole para decidir coisas importantes. Um passo pra frente, dois pra trás. As pessoas que me chamavam de apressada deveriam ter me conhecido hoje em dia.
Deveria estar feliz porque  hoje finalmente me sinto diferente, tenho pressa tenho o mais sincero pavor de esperar e isso não se resume somente às ansiedades diárias. É muito mais do que medo de perder o horário, de perder o pique, de perder a coragem. É uma pressa de medo.
É uma vontade de que tudo aconteça logo, vontade de poder  ir embora, de ter alta na terapia, diploma na mão, os carnês quitados, a cura do amor. Vender tudo, escrever duas ou três cartas e sumir. Uma pressa de ter os filhos já crescidos, de que os cabelos fiquem brancos todos de uma vez, de que os problemas se resolvam, de que os peitos não precisem mais ficar de pé. É uma pressa de atropelar essa vida que me engoliu e pra quem fui super disposta, digestiva, obediente.
É uma vontade enorme de olhar para trás e poder chamar o passado de passado e de mal enxergá-lo, mal sentir seu cheiro e ter uma memória tão míope quanto meus olhos. Meus olhos! Eu os arregalo pras horas que já são! Já é hora de ir, já perdi o dia de Sol, já virei a noite inteira, já estamos no fim do mês... Já! Não posso contrariar os pavores dos outros para que respeitem os meus, então escondo minha mágoa de que o tempo correu muito menos do que eu quis. Eu tinha muito mais pressa. Eu tenho um relógio diferente no bolso e o ouço tão lento que ele parece caçoar de mim.
As ondas do mar que sempre me derrubaram com sua pressa, hoje dançam um balé em câmera lenta na minha direção. Não se aproveitam mais do meu desaviso ou imprudência, me chegam lentas e mal me respingam as pernas. Quero que me publiquem logo num Vida e Obra,  mesmo que essa Vida e Obra se limite a um retrato de família, um bilhete escrito a um amigo, ou esse escrito aqui mesmo.
Eu tenho hoje uma pressa que não cabe mais em mim, que não me deixa pensar e há quem possa achar isso tudo muito triste, e pode ser, até, mas também foi bem difícil viver a vida toda de outro jeito: querendo segurar o tempo nas mãos, desejando muito mais do que podia caber dentro do tempo. A pressa, hoje, é meu plano de fuga.
E feliz ou infelizmente, ao final disso tudo que disse, reconheço na pressa uma outra forma de desejo, e acho o desejo mais confiável do que o tempo. Há tempos que o tempo me promete bem mais do que pode cumprir.