sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sou pequena. E falo de dentro do estômago de um mundo que já me engoliu.

"A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias
(do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios."

Manoel de Barros

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

insistências

De todas as qualidades que me faltam para ser [digo, ter sido] uma jornalista a maior delas é o dom de saber insistir.
Para fincar pé com alguma coisa preciso antes, insistir, insistir, insistir comigo.

Dá para imaginar meu cansaço?

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

FELIZ ANIVERSÁRIO, DRUMMOND

MÃOS DADAS

Não serei o poeta de um mundo caduco.

Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

QUE O AMOR HÁ DE SER DESCOBERTO

Estudando barroco, a gente não encontra só sermão, sátira e ouro. A gente também encontra essas coisas bonitas aqui, ó:

Se brilha um fogo luzido,
(O mesmo no Amor é certo)
Arder não pode encoberto,
Luzir não pode escondido.

Se é raio Amor, rompa o medo,
Quando os sentidos inflama,
Patenteie a luz da chama,
Rasgue a nuvem do segredo.

Se quando a beleza adora,
Qual harmonia se estuda;
Nunca a harmonia foi muda,
Sempre a harmonia é sonora.

Atreva-se o Amor constante
A publicar o que sente;
Não desmaie, se é valente,
Não se encolha, se é gigante.

Se brilha qual perla, ou rosa,
Nunca estimações ordena,
No botão a rosa amena,
Na concha a perla fermosa.

Cupido n'afeição louca
Este intento há persuadido;
Os olhos cerra Cupido,
Não cerra Cupido a boca.

Se Amor de ave tem a empresa,
Quando o encerra algum desprezo
Por violência vive preso,
Porém não por natureza.

Quando Amor se mostra, é certo
Que, como se vê despido,
Não se encobre Amor vestido,
Mostra-se Amor descoberto.

Anarda pois, no Amor ledo,
Por mais que silêncios gozes,
Se o cala o medo das vozes,
Dizem-no as vozes do medo.

Manuel Botelho de Oliveira

*primeiro autor nascido no Brasil a ter um livro publicado.






quarta-feira, 6 de julho de 2011

"pro seu santo não era um qualquer um"

Os dias são assim, tio, passou um mês e a notícia só vai ficando mais velha. E talvez por não ter acreditado muito bem ainda, demorei tanto pra escrever. O jornal apaga, esquecemos um pouco o medo, o rancor, a tristeza e pensamos em ti, nesse triste fim.

O Inter estava jogando (e ganhando) ... o nosso colorado! Enquanto alguém - "por engano, vingança ou cortesia" - te avariava o corpo no meio da rua.

Eu não queria que fosse assim, tio. Teu irmão ter te visto daquele jeito, contrariando o herói sempre, sempre, sempre irresponsável que foste... tua mãe perguntando “o que tinham te feito? Como te pegaram assim?” E ninguém sabia explicar.

Não foste santo, é o que lembramos junto com a saudade. Das tuas piadas infames, das sem-vergonhices imensas. Talvez a gente tenha o fim que mereça nessa vida e nossos pais jamais vão concordar com isso, com a forma que escolhemos viver nossa vida. Tudo vira drama antes mesmo de ser. Gastaste sapatos, correste o mundo e viveste numa velocidade para loucos. Te orgulhavas de dizer que “parou quando quis” e não deu tempo de te perguntar por que não quiseste mais parar.

Só sei/sabemos que te enterrar foi – antes de tudo – uma decepção para todos nós. Tu escapavas de todas, não tinha Cristo, mãe ou médico que te parasse. Tua mãe não merecia, saber da tua morte daquele jeito. Quem ia fazê-la acreditar? Só podia ser mesmo mentira.

E ficam as tuas risadas, ficam teus poucos ensinamentos (“quem pra cima cospe...”) e é difícil não pensar que antes de TANTAS coisas, me carregavas pequena sobre os ombros e, do alto, dos teus 1,94m o mundo era TÃO GRANDE; que me mostravas açudes, galinhas, Cazuza, Rita Lee; que me deste meu primeiro som com CD e ursinhos de máquina; que ensinavas como um mantra que a única rádio que prestava era a Ipanema, porque era Rock; e que me dizias que eu tinha o teu jeito de se vestir quando era novo, sempre de preto.

E que aparecias lá em casa pra almoçar com uma namorada nova a cada final de semana e, por isso, então, deixaste umas quatro viúvas... entre ex-mulher, ex-amante, ex-ficante. Incluindo uma que te tatuou “amor eterno” nas costas, nomeado e tudo. Pobres moças...

Ai, tio, se essas alegrias pelo menos te segurassem, mas nem isso.

É a vida.

E devemos lembrar das coisas boas, não da dor e de ‘como poderia ter sido’. A vida é assim, errada, doida.

Te escrevo e te desejo paz. Vê se sossega um pouco, que a gente aqui vai levando e cuidando um do outro. Meio no tranco, meio na marra, um passo por vez.



E como Onze Fitas ( Interpr.: Elis Regina/Comp.: Fátima Guedes ) é triste demais (e a verdade nunca rima mesmo), hoje, vou te dedicar esse sambinha da Nara Leão:

Malvadeza Durão

Composição: Zé Keti

Mais um malandro fechou o paletó
Eu tive dó, eu tive dó
Quatro velas acesas em cima de uma mesa

E uma subscrição para ser enterrado
Morreu Malvadeza Durão
Valente, mas muito considerado

Céu estrelado, lua prateada
Muitos sambas, grandes batucadas
O morro estava em festa quando alguém caiu

Com a mão no coração, sorriu
Morreu Malvadeza Durão
E o criminoso ninguém viu.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

meu jeito de (re)partir

Não saberia verbalizar a não ser assim. Porque a coisa é toda assim.

ADEUS VOCÊ

(Marcelo Camelo)

Adeus você
Eu hoje vou pro lado de lá
Eu tô levando tudo de mim
Que é pra não ter razão pra chorar
Vê se te alimenta
E não pensa que eu fui por não te amar

Cuida do teu
Pra que ninguém te jogue no chão
Procure dividir-se em alguém
Procure-me em qualquer confusão
Levanta e te sustenta
E não pensa que eu fui por não te amar

Quero ver você maior, meu bem
Pra que minha vida siga adiante

Adeus você
Não venha mais me negacear
Teu choro não me faz desistir
Teu riso não me faz reclinar
Acalma essa tormenta
E se agüenta, que eu vou pro meu lugar

É bom...
Às vezes se perder
Sem ter porque
Sem ter razão
É um dom...
Saber envaidecer
Por si
Saber mudar de tom

Quero não saber de cor, também
Pra que minha vida siga adiante

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Montanha russa e carrossel

Quando veio toda essa história avassaladora de mais um curso, de entrar em arte, eu não pude mensurar direito toda a bagunça eminente. Falha minha, claro, porque no que se refere a mim, nenhuma mudança vem sozinha, nenhum desejo, nenhuma frustração passa discretamente por minha insegurança: eles batem, eu atendo, convido para entrar. Bravos mares e toda espécie de temporal são bem vindos aqui e não. Sentindo-me cada vez menor para sentir-me maior daqui a pouco mais (ou não). Tudo me encanta e assombra, me sinto criança com um velho brinquedo novo, recuperado, redescoberto num porão.

Me apaixono por gente apaixonada pelo que diz. Por gente que gosta de dividir sua história e a história do mundo. Me apaixono por gente como eu e gente diferente, aqui do meu lado e que também tem esse certo amor-pavor por tudo isso.

Redescubro minha cidade quase diariamente. O desejo pelos cafés que nunca chego a tempo de tomar. As frutas que não compro, a leitura vencida pelo sono. Me entrego e, num lamento só meu, desejo folga de todo o resto que me deixa assim, preguiçosa de viver. E fico lá tecendo minhas angústias num bar onde a Jukebox me canta que Roberto está “guardando o que há de bom pra mim”.

Dissertar sobre, estender-me em palavras para quem não conheço [mas que já tem seus desejos e apostas prontos]. Medo, grito por socorro. Um me diz que é sono, o outros me receitam coisas, outros acham que ando me cuidando mal.

Falam atrás de mim algum assunto que já perdi na esquina anterior, descarrilhei dos amigos de trajeto e de desesperos. Desço todo dia pensando em comprar flores na Otávio Rocha, rosas grandalhonas que façam companhia. Rosas amarelas alegres em sua solidão. Levo a mão à bolsa para sentir minha flor pendurada a ela, não posso perdê-la, ela me brilha.

Sigo o trajeto vendo as caras de ontem das pessoas de hoje e tento, disso, fazer novela. Os prédios cinzas, um frio amargo de começo, me irrito, me entristeço, me emburro recostada a primeira janela possível e sigo olhando tudo. As prostitutas seminuas com sua beleza e as mulheres – não muito distantes disso – ali paradas, enfeitadas pra ninguém (?).

São muitas coisas nesse meu caminho, tantas distrações para meus olhos e eu aqui,presa em mim, assustada com um novo mundo. Como uma recém nascida, uma estrangeira.

Decidindo se quero ser a flor intacta e firme na bolsa ou a flor em talo que se mantém bonita o dia todo para amanhecer murcha diante dos olhos da rua.

Foto: Ana Priscila Costa (porta do banheiro do IA)