domingo, 25 de outubro de 2009

as horas

"o tempo que temos, se estamos atentos, será sempre exato" Caio Fernando de Abreu.

Fico me perguntando em que momento a gente se distrai com alguma coisa que acontece, com a novela passando, com as conversas cruzadas...em que momento me deixo escapar de mim mesma e esqueço a que vim.
Ou não esqueça. Talvez não tenha vindo para isso, não. Talvez tenha vindo de teimosa e de mais teimosa tenha ficado aqui, sem lembrar todas as perguntas que queria fazer nem todas as teorias, nem todas as acusações. Porque enfim, lá pelas tantas da noite todo mundo é igual. E já não nos importa saber dos pecados, quando foram e por que.
É engraçado como nos distraímos e ficamos à vontade, tão à vontade para ficar em silêncio e para caminhar bêbados e ridículos e juntos e deitar a cabeça no ombro como se estivesse em casa.
E eu acho que mesmo as horas se distraíram e saíram para dançar na chuva enquanto nos esperavam.
Mas voltaram e nada feito. Guardei-as na bolsa e as trouxe pra casa comigo, tontas de tanto dançar.
Agora me diga, o que faço com elas?

terça-feira, 13 de outubro de 2009

outras angústias

Ela enroscou suas pernas em mim como se quisesse me imobilizar, me proteger de mim. Eu tinha os olhos vidrados na noite que me era ofertada por uma fresta da cortina. Ela dormia. Não importa quantas vezes eu olhasse, ela dormia. E aquele céu me dava a sensação de que qualquer coisa feita sob ele poderia ser perdoada, mas esse consolo não me satisfez.
Ela era leve, por isso dormira. Por isso seu rosto sereno, por isso sua cabeça estava quieta. Nenhum pecado, nenhuma culpa, nenhum remorso. Enquanto eu, entontecido de dúvidas, permanecia acordado, esperando que num súbito, ela se desenrolasse de mim e me deixasse ir embora como deveria ser.
E assim fiquei. Ela não se mexia, parecia pressentir minha fuga como uma mãe que não precisa espreitar a porta, conhece todos os ruídos, todos os cheiros e sabe sempre que horas são.
Ela mal respirava, eu poderia lhe dar como morta e eu tinha medo de mexer no cadáver. Medo não. Medo foi o que eu tive de dizer que tive vergonha, de dizer que fui um covarde.
Que tive pavor de dizer a ela que ia embora, por todos os motivos.

Adormeci por um instante e acordei num susto. Ela me fitava, sorrindo com os olhos. Parecia tão acordada que pude pensar que nem chegou a adormecer. Talvez minha angústia não fosse tão silenciosa, ela parecia ter me ouvido. Sabia de tudo e me queria ali. Fechei meus olhos, abri. Suas pernas já não enredavam mais as minhas, eu senti. E a puxei com força, contra mim.
E nessa via de mão dupla, eu - que sequer pude me levantar - tive medo de que ela fugisse em meu lugar.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

É. Talvez ele ainda quisesse contar com a presença dela. A idéia de tê-la ali era como o segundo lugar no podium de chegada: melhor do que nada.
Talvez ele ainda se perguntasse onde ela enfiou todo aquele amor aflito, briguento e aonde foram passear suas pernas desesperadas. Em que peito repousava sua mão e quantas vezes na semana. Não podia supor.
O certo é que ele tinha alguma gratidão por ela. Ele precisava do drama, dificultava tudo, tropeçava no liso e ela cumpria como ninguém o seu papel naquele misto de novela mexicana e terapia de casal. Ela dançava conforme a música, chorava por encomenda para fazê-lo sentir vivo.
Ele sabe que ela sempre o entendeu, mas ele precisa de sombra e ela o perturba. Ela é uma janela aberta, luz demais.
Ele mandaria colocar nuvens no céu, se preciso fosse, a alegria azul não lhe caía bem, era preciso nublar, mover, chover...

Ele não sabia o que ela esperava, nem sabia porque ela ficava e porque dormia e porque acordava e porque às quatro da manhã ele ainda estava dentro dela, mas tudo bem, ela não o mandava sair, nunca mandaria. Ele tinha um metro e muito de um corpo que gostava ali todo para ele e negar não era o seu forte.
E assim ele exercia aquele papel de romeu de mentira, desgarrado, sem vontade e sem nenhum amor para dar.
Ele não sabia o que havia ali, claro que não. Estava na superfície e nadou de volta para a beira. Da orla, ele a assistia se afogar, se afogar...com um espanto quase infantil.

sábado, 25 de julho de 2009

Estrada da Santos. Ou não.


"Se você...pretende"
Elis me avisa no ouvido como se fosse hora para isso. É cedo e levo o sono da humanidade toda comigo. A música é do Rei, eu sei. Mas as coisas são o que estão e se fosse para colocar todos os pingos nos is, não me sentiria na estrada de santos aqui.

"Você -vai - me - conhecer"
Ela me convida assim, em tom de ameaça. Viajo junto.
A necesidade do estrelato que todos nós temos. De sermos enigma, mistério. De tornarmos complexo esse universo simples que nos cerca. Simples como cheiro de pão.
É como oferecer salva-vidas ao visitante, quando o estamos convidando apenas para o raso do oceano, de nados curtos, curtas braçadas.

"Só a velocidade anda juuuuunto a mim"
Que horas são agora? Há pouco acordei, num salto. Meu rosto fantasmagórico, convidando a todos para um novo sono, o sono dos viajantes.
A fome de volta de guerra, a sede de outros carnavais, mas uma vaidade teimosa me sustenta.
O dia nasceu. Tenho o dia em meus braços, é o filho que embalo. E cá estou: de volta ao mundo. Passageira. E "o tempo é cada veeeez menor."

"Maaaas se acaso numa curva..."
Curvas, curvas, curvas...quase não há. Vejo a sinuosidade mais fictícia que real. Me seguro e é o mesmo susto de acordar. Acordo de novo. Agora, para o difíil do trajeto.

"Corrijo num segundo, não posso pa-rar"
Um instante de loucura e mostro o que sou de fato. Me viro do avesso, é uma confissão.
A lucidez me atrapalha, é um excesso de clareza nos olhos. A cabeça dói, mas a coerência vai bem, obrigada.
A quem possa importar, a confusão inda vai longe. E na economia de explicações, lambo meus beiços, satisfeita.

"E vi pelo es-pe-lho, na distância se perdeeeeeeer"
Passado. Fantasmas. Bem ou mal resolvidos. As existências incômodas, são ecos na multidão.
Passado: faço-me rir com o canto da boca e me digo de novo a palavra PASSADO.
Conto nos dedos o que for possível, crio referências, comparo momentos, relembro histórias. A meu gosto.
O passado está no todo, comigo.

"Aaaaaas curvas se acabam e na Estrada de Santos eu não vou mais passaaaar"
Dependendo do meu passo, claro.
O presente me vem como alimento. Mastigo cada pedaço devagar. Tento não engolir.
O presente é um embrulho com laço de fita. Vou abrindo aos poucos, para meu deleite e surpresa.
Mas será mesmo que "as curvas se acabam"? Será, hein...?
Será mesmo que eu "não vou mais passar"???

sábado, 7 de março de 2009

das coisas que me são caras...


"Tens de ter certeza se que o meu amor por ti é coisa profunda, grande, definitiva, acima de brigas, de caprichos, de idades, de literatura"
Guimarães Rosa



para ti, poeta. porque imenso é o nosso amor, amigo.
o nosso amigo-amor para toda a vida.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

quer queira, quer não.

Guarde-me em seu envelope mais antigo e feche-me em sua gaveta de lembranças
Não tem problema:
Eu me basto e - não negando a água que sou - eu verto.
E vazo por entre as tuas mais respeitosas lembranças,
Invadindo os lugares que sempre foram meus,
Não preciso das chaves.
Guarde-me dentro de um livro nunca lido, um livro de visitas
Não ligo.
Eu danço com as palavras e me materializo nelas.
Liberto a nós todas.
Agradeça meu afeto,
Mas não há de que.
Ele é meu, é de aluguel
É inquilino em teu corpo.
Eu me pertenço e é comigo que convivo
E me são indigestas as minhas palavras,
Precisam sair, não entrar...
Mas não há de ser nada.
Me esqueça, tão logo possível
Para que eu tenha o prazer de reaparecer
Quer você queira, quer não.

sábado, 31 de janeiro de 2009

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

eu quero é um par de asas...

não me canse a beleza com as concretudes que a vida te revelou.
se eu as quisesse, já as teria dado asilo.
guarda-as para ti e delas faça bom uso.
o que não vejo é porque não quero e talvez nisso habite minha única esperança
de ser menos pedra,
menos regra,
menos cega.