Foram dias a fio olhando fio a
fio do lençol verde do mar. Fui ao fundo e vi tudo em câmera lenta, os peixes e
as texturas pareciam uma alucinação, efeitos de alguma coisa. Um barulho doido.
Uma coisa que queimava. Uma coisa que queimava em pleno mar. Pensei em tudo que
também devia arder lá dentro, lá embaixo, v a g a r o s a m e n t e e que essa quantidade de contradições
harmoniosas e doidas, assim, em câmera lenta fazem o mundo girar.
Subo de volta e desaprendo tudo.
Com o olhar da pessoa impaciente que não podia esperar eu colocar a mala no
bagageiro do avião, uma questão de quinze segundos, no máximo; desaprendo com a
minha própria intolerância, com minha angústia. Eu emburreci de ontem pra cá. E
saí desfazendo a mala e lavando uma quantidade de roupas acima do que cabe no
meu varal. Além do tempo de sol que eu tinha. Além do que o vento poderia
secar.
Eu desaprendi de ser peixe e de
ser pescador no mesmo instante. Não sei mais nadar e fugir, não sei mais me alimentar
com o que tenho. E estou aqui apavorada com e-mails. Apavorada com datas. Apavorada
com meus atrasos, com minhas ausências em tudo. E tô aqui pensando que preciso
de mais tempo, que preciso de mais olhos, mais braços, mais cabeças, mais
pernas, mais ócio.
Sair fora é um processo lento. Demora
dias. Demora viagens de avião e engarrafamentos. Demora dias em casa/cama estranha, demora um
cansaço que seja maior que o que pesa na cabeça. Demora uma pele frita de sol. Pode
demorar um mergulho. Parece-se muito com um mergulho. Injusto que o retorno
seja em tão poucos segundos. Como um salto sem asas pra dentro da realidade.
E me repito: um dia de cada vez,
um medo de cada vez, um leão de cada vez. Os livros dirão, a terapeuta dirá, os
amigos dirão, pela mão de um orixá ou numa dose de uma bebida qualquer eu vou
chegar à mesma conclusão: uma coisa de cada vez. Não se caminha com os dois pés
pisando juntos. Não se pode ouvir e falar ao mesmo tempo. Então preciso
sossegar. Preciso entender os processos, preciso conseguir respirar
p a u s a d
a m e n t e. Deixar o leite derramar pra então chorar
sobre o fogão sujo. Alguma ordem na cabeça, uma ideia boba, alguma coisa
assim.