A buzina apressada que nos desvia os olhos da beleza que caminha em paz
É a mesma que nos faz acelerar o passo e perder o ritmo do que ouvimos, do que somos.
Pra partir correndo, voando
Ganhar tempo, perder a cabeça
Produzir alguma coisa nos entretempos, nos poucos espaços.
Produzir, produzir, produzir
Nem que seja um grande monte de merda numa privada que nem é bem nossa.
Cabe a mim um corpo trêmulo
Uma ânsia que não consigo entender bem.
As mãos paralisadas, depois dos gestos
Eu sofro as consequências de um tempo que deixei passar
Olho fixo para uma parede que construí e que me separa um pouco do real.
Me movo com certo sacrifício, me distraio facilmente
- Isso é próprio de quem anda assim, depressa demais
Tenho nas mãos ideias que coloco na cabeça por uma única fenda.
As ideias me voltam às mãos
As mãos nunca param vazias
As mãos não bastam então
Repito um deixar cair/juntar infinito.
Me canso as costas
Me sinto velha, alguém diz 'não'.
Tenho no peito um coração de pano inchado e encharcado de sangue e suor
Não murcha, não seca
Corro pra casa para assistir a cor do sol se pondo no céu desse dia que perdi
Opressão de sair, opressão pra ficar
Transito por diferentes compartimentos
Ponho a cabeça pra fora pouquíssimas vezes
- Penso ser a superfície, me engano.
Abro a janela de novo
E rego - por hábito ou distração
Uma planta que já está morta.
quinta-feira, 20 de novembro de 2014
sexta-feira, 23 de maio de 2014
intervalos
Quis me mudar de corpo esta noite,
Por um corpo que pudesse dormir.
Mas tenho necessidades tolas
Como todo mundo tem,
quando chega em casa, com frio e com medo.
Medo de que não dê tempo,
Medo de esquecer
As palavras,
Os olhos das pessoas
E o que elas estão dispostas
A me mostrar
E esconder de si.
Me desfiz das pesadas sacolas,
Não ocuparia mais meus braços
Até de manhã.
Não há nenhuma música que eu deseje agora,
Nem quero ninguém falando francês na televisão
- Compraria um vinho, houvesse tempo.
Lavei as mãos, chorei por dez minutos e desisti de beber.
Por um corpo que pudesse dormir.
Mas tenho necessidades tolas
Como todo mundo tem,
quando chega em casa, com frio e com medo.
Medo de que não dê tempo,
Medo de esquecer
As palavras,
Os olhos das pessoas
E o que elas estão dispostas
A me mostrar
E esconder de si.
Me desfiz das pesadas sacolas,
Não ocuparia mais meus braços
Até de manhã.
Não há nenhuma música que eu deseje agora,
Nem quero ninguém falando francês na televisão
- Compraria um vinho, houvesse tempo.
Lavei as mãos, chorei por dez minutos e desisti de beber.
domingo, 9 de março de 2014
Foram dias a fio olhando fio a
fio do lençol verde do mar. Fui ao fundo e vi tudo em câmera lenta, os peixes e
as texturas pareciam uma alucinação, efeitos de alguma coisa. Um barulho doido.
Uma coisa que queimava. Uma coisa que queimava em pleno mar. Pensei em tudo que
também devia arder lá dentro, lá embaixo, v a g a r o s a m e n t e e que essa quantidade de contradições
harmoniosas e doidas, assim, em câmera lenta fazem o mundo girar.
Subo de volta e desaprendo tudo.
Com o olhar da pessoa impaciente que não podia esperar eu colocar a mala no
bagageiro do avião, uma questão de quinze segundos, no máximo; desaprendo com a
minha própria intolerância, com minha angústia. Eu emburreci de ontem pra cá. E
saí desfazendo a mala e lavando uma quantidade de roupas acima do que cabe no
meu varal. Além do tempo de sol que eu tinha. Além do que o vento poderia
secar.
Eu desaprendi de ser peixe e de
ser pescador no mesmo instante. Não sei mais nadar e fugir, não sei mais me alimentar
com o que tenho. E estou aqui apavorada com e-mails. Apavorada com datas. Apavorada
com meus atrasos, com minhas ausências em tudo. E tô aqui pensando que preciso
de mais tempo, que preciso de mais olhos, mais braços, mais cabeças, mais
pernas, mais ócio.
Sair fora é um processo lento. Demora
dias. Demora viagens de avião e engarrafamentos. Demora dias em casa/cama estranha, demora um
cansaço que seja maior que o que pesa na cabeça. Demora uma pele frita de sol. Pode
demorar um mergulho. Parece-se muito com um mergulho. Injusto que o retorno
seja em tão poucos segundos. Como um salto sem asas pra dentro da realidade.
E me repito: um dia de cada vez,
um medo de cada vez, um leão de cada vez. Os livros dirão, a terapeuta dirá, os
amigos dirão, pela mão de um orixá ou numa dose de uma bebida qualquer eu vou
chegar à mesma conclusão: uma coisa de cada vez. Não se caminha com os dois pés
pisando juntos. Não se pode ouvir e falar ao mesmo tempo. Então preciso
sossegar. Preciso entender os processos, preciso conseguir respirar
p a u s a d
a m e n t e. Deixar o leite derramar pra então chorar
sobre o fogão sujo. Alguma ordem na cabeça, uma ideia boba, alguma coisa
assim.
terça-feira, 21 de janeiro de 2014
ao pai
És meu pai nas entradas de uma testa grande,
Nas canelas brancas e nas mãos gigantes,
És meu pai na birra e na gengiva que se mostra inteira
rindo,
Na parecência com minha mãe – tuas escolhas.
És meu pai da fome e da comida em exagero,
Da minha sempre magra presença - aos teus olhos.
És meu pai nos homens que me amam, que me precisam, que me
torturam,
És meu pai em cada vez que escrevo coisas longas demais,
Em cada rasgação de seda e nos pés pelas mãos.
És meu pai na vontade de servir e na vontade de
dormir,
Pai da pequena que precisou te enxergar
Pra conseguir ler o
discurso de 'formatura', aos seis anos.
E pai da mulher de quase trinta que precisa sumir de ti pela paz mundial.
És pai na maior das minhas paciências
Em esperar que tu conserte
alguma coisa que eu jogaria fora
E meu pai no exagero de coisas que eu guardo
És meu pai e te reconheço
Nisso que há de mais feminino em mim:
Minha loucura.
terça-feira, 15 de outubro de 2013
Carta a Vinicius de Moraes
É a segunda vez, Vinicius, que acordo nesse assombro de ter esquecido teu aniversário. A primeira foi em fevereiro e, de tanto medo, fiz um lembrete. Hoje, dia 15 do mês certo, acordei tristonha, acho que sonhei contigo e, de novo, achei que já tinha passado. Imagino que não te importes muito com aniversários a essa altura e, se te importasses, farias uma festa e eu ouviria daqui. Eu te diria tantas coisas, fosse hoje teu aniversário, Vinicius. Diria tantas coisas, se pudesse. Diria que amo e odeio todos os homens que, de certa forma se parecem contigo. E te diria que te amo, mas estarias bêbado e ririas de mim, me mandando beber e rir também, porque sou louca. Te diria que aprendi de amor contigo, o bom, o ruim, o errado, não tendo agora para quem reclamar. Tenho tentado beber uísque, sonhando beber contigo. Seria um desrespeito dividi-lo com qualquer outro homem que fosse, como dividir minha poesia também seria. Então me calo.
Há tanto em mim que eu queria te contar, Vinicius e tanto nesse mundo
que jamais te contaria, já que não vistes, melhor assim. Mas te
contaria da minha luta contra as gravatas - que, para as mulheres,
vieram ao mundo em forma de salto alto. Te pediria ajuda para falar
melhor em público e, de novo, me mandarias beber e rir. E rir e beber e
continuar. Te obedeço sem me mandares.
Não te faria nenhuma pergunta quase, Vinicius. Não sairia de perto
de ti, fosse hoje teu aniversário. Não deixaria teu copo vazio, nem a
cinza cair acidentada sobre tuas calças. Te riscaria um fósforo para
assoprares como vela. Seria alegre ao teu lado, se te pudesse bater nas
costas e dizer "parabéns", "obrigada". Te abraçaria com a saudade de
quem te via todos os dias, de quem te dava um "amor prestante". Mas ainda não é teu aniversário, sofro esse vazio antecipado.
Mas te escrevo, poeta. Espero que leias e que daí de longe me
respondas, como um santo que atende uma prece. E que me remetas de volta qualquer
coisa semelhante a poesia, qualquer coisa perto de amor.
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