domingo, 3 de março de 2013

querer e não


Nas horas raras em que me encontro só
Nessa névoa de angústia que é
Não querer estar sempre aqui.
Chego a pensar que é minha solidão,
Sempre tão amada,
Que me deixa assim, atordoada, cega,
Descarrilhada nos trilhos do meu desejo.
É um estar aqui que é estar lá
Uma cabeça que dói,
Uma vontade de discar um número
- Mas tinha de ser discar mesmo
Para ir pensando enquanto isso -
No-que-é-mesmo-que-eu-ia-dizer...
É um pesadelo acordada
Pavorosíssimo...
Olhar para trás
E ter de ficar me puxando pela mão
Será mesmo possível isso...?
Quero um disfarce:
Se homem, era só me deixar crescer a barba, o cabelo.
Enquanto mulher, fico imóvel
Diante das possibilidades todas
De corte, de cor, de alegorias
E sigo igual, por fora,
A despeito do que se passa dentro
E tolero qualquer julgamento
Por não ser tão transparente quanto digo
Mas a gente escolhe o que veste para sair
E não posso ir do avesso em qualquer lugar   
Me mostrando inteira.
Há cicatrizes que chegam antes da gente nos lugares
E há de se ter paciência pra dizer que
"Olha, tudo bem..."

Eu quero escrever uma história
Mas não sobre mim, porque eu sou chata.
Ninguém gostaria de mim
Se não fosse meu humor
Nem mesmo eu.
Quero ainda a forma escrita
Que não alcanço nem à mão
[a letra do fim é diferente da letra lá em cima]
Quero me sentar sem ter nada o que fazer
Veja bem, eu sento às vezes
Mas com essa cabeça aqui, não dá...
Onde há coisas caindo das prateleiras
Onde está tudo o que me dizem,
Onde está o argumento do mundo.
Não quero uma cabeça 
De despensa que despenca.

Quero estar bem aqui
Na minha solidão que é festa
Quero ir aí e resolver.
Quero ir ao Rio de Janeiro
E voltar.
Quero ir a Portugal
E voltar
Porque quero apenas chegar
E partir de novo.
Eu estou bastante louca
E ainda ouço me usarem de exemplo
Pra uma coisa ou outra
[e rio com sinceridade!]
Enquanto me sinto uma borboleta
Num canteiro de obras:
Discreta. Inútil.