domingo, 16 de dezembro de 2007

narrativa

eu me contento com a procura, podendo já ter dito sim
talvez eu não seja nem tão honesta, nem tão modesta, nem tão espontânea quanto penso (pensam...)
pudores me mantêm anestesiada do que que me aflige
o despertar me dói na cabeça, me causa a ânsia infantil dos dezesseis (quando eu tinha a dos doze)
me sou estranha, quis sair porta afora, quis jogar, mas fiquei
contar a história do que teria sido não serve nem pra mim nem pra ninguém
a insistência me irrita como alguém falando enquanto eu quero ler
mas mentira tem perna curta, alguém entendeu
sendo mulher, não me perguntei como ela sabia
eu sei muito bem como as mulheres conseguem saber de tudo...
e quem é que sabe como é? me deixa ficar sentada aqui
apertando a tecla next, pausando o momento...retardando os efeitos

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Eu corei pra vida como se tivesse, de repente,
Uma vergonha do que ela pensa de mim.
Eu sei, a vida não pensa, a vida é.
Boba sou eu que não sei que quem pensa sou eu.
Do meu rosto rosado, escapuliu um sorriso estranho, fadigado.
A vida não me entende, pensei. Não me quer...
[a vida ou eu???]
Ô dó! Que pecado esconder o sorriso!
Não devo, não temo. Me repito, me desminto.
De repente, as coisas são assim, preto no branco, fáceis...
De repente, a cruz ficou leve, ou a via crucis terminou e não notei.
Ouquêi.
Ergui os olhos do chão, parei de fingir que não era comigo
E brindei em copo plástico as paixões de vidro,
Que me alimentam,
Me fermentam a vida.
Olhei para frente e vi o túnel.
[a luz virá depois, calmaí...]
Decidi continuar sendo louca
Exagerada, assustadora, apaixonada...
E sem modos. Completamente sem modos.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Coisa pouca...tstststs

Não gosto de pouco
Ando sem tempo pro pouco
Odeio o pouco
Gosto é do muito
Do muito que me toma o pouco
O pouco tempo
A pouca sorte
O pouco espaço
Do muito que me enreda as pernas
Que me prende asganha
Que me fala alto, não cochicha
Serenata
Mesa farta
Cantar bêbada
Rir deitada
Eu gosto é de muito
Muito para o qual a cama, a casa, o mundo
Sejam - estes sim - pouco. Muito pouco.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

A [DES]ORDEM DAS COISAS

[A gente faz. Depois pensa. Depois faz de novo. E o que há de errado com o (suposto) erro? O erro, de quando em vez, quer acertar, quer ser direitinho, ora. É um passo certo que, se perde o tempo, dança no eco, atônito. É muito mais simples do que eu pinto. Tá tudo bem, me disseram.]

E acaso a culpa foi minha? Me apertaste num abraço que deixou marcas. Não é que eu não tivesse erguido a cara inteira pro teu beijo; não tivesse induzido, nem reagido. Nadei a favor e tu me dizendo pra esquecer do mundo...(como se eu ainda lembrasse do mundo naquela hora).
Tu me pegas pra ti como se tivéssemos nascido ontem, assim inocentes, inéditos. Eu me assombro com o muito que sei, num mundo em que as pessoas querem mais é saber, vasculhar o passado, limitar os olhares, ler as linhas da mão. Eu queria mesmo era um tu novinho, da prateleira. E ao mesmo tempo não.
Um tu diferente e ao mesmo tempo assim, desse seu jeito absurdo. E daquele outro jeito que já vi. Em tanto tempo, fui montando um mapa que não sei aonde leva. Não queria mapa, porra! Queria o tato.
Não me envolvas em teus enredos, não faz de conta que não sabe porque não posso ficar. O dia amanhece e tudo não te parece diferente (NÃO! te ouço responder daqui). Mas tu me vence e não no cansaço, mas no olhar raso de quem mente dizendo a verdade. De quem é porta-estandarte de sensações ruidosas, palpáveis, numerosas que sequer sabe levar adiante. Por que mentes? Por que tentas me provar o que não podes?
A gente que queria tanto o novo, o instante, o cheiro do presente, avessamente desencavamos uma história quase fábula de longe, muito longe. Dum tempo que era outro. E foi exatamente igual, tenho que rir. Deixa-me rir.
Te deixei me encantar com teus lençóis de verdades bem claras, bem vivas. O Sol não bateu, porque era chuva o que era pra ser naquele dia. Um dia sem fim.
Cabeça erguida, passo firme, te convenço do que me era muito claro. Questão resolvida, pedra no assunto, eu te disse. Morreu. Ai, digníssima eu. A sensatez é uma armadilha cruel.
Mas juro que achei que o assunto estava de fato resolvido. Que nada! Eu lá sou mulher de esconder sujeira pra baixo do tapete? Não mesmo.
E já que o assunto não tá resolvido, me passa os temperos e vem cá que vou te comer a generosas garfadas. Tenho fome. Que faço eu com esse mapa na mão, ora???

domingo, 16 de setembro de 2007

Ares de mãe

Penso nessas mulheres
Com rosto de mãe,
Olhar de mãe,
Jeito de mãe:
A nenhuma delas pertenço,
De nenhuma faço parte.
Nenhum desses olhos me vigiam o sono
Ou me acompanham da janela.

Vejo esses gestos de mãe
Que são só beleza
Mesmo dentro do que é conflito,
Do que é pavor,
Mesmo quando tudo é ira e ignorância.
E, não me pergunte como,
Mas conheço seus mais fugidios pensamentos.

E numa espécie de choro
Me desfaço
Quando passo na rua e me deparo
Com essas mães sempre dos outros,
Nunca minha.
Esses perfumes de mãe que não mepertencem,
O cantarolar que não me alcança os ouvidos...
Mas sigo e sorrio por dentro ao lembrar
Que essa beleza que me encanta
Um dia será minha.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Bela acordecida


Tens razão.
Que faço eu com esta idade,
Com esta dita beleza,
Numa noite destas, aqui,
No alto deste castelo, acordada?
Eu deveria estar na rua
Nem que fosse a vagar
À procura de coisa qualquer,
Enredada nuns braços...
Ou quem sabe dormindo o sono dos justos,
Sono de bela adormecida.
Do contrário, com a luz acesa sobre a cara branca,
Tenho a insônia da donzela arrependida,
Da morte da bezerra...
A insonia do alcólatra ao redor de um copo de uísque.
Tens razão.
Que faço eu de mim?
Que coisa é esta que sou?
Fruta caída de alguma árvore
Que nem um andarilho vê.

sábado, 8 de setembro de 2007

secreto

Fico me espiando nua pela fresta que eu mesma deixei;
Uma fresta pela qual só eu, acho, consigo espiar.
Tão bonita minha nudez assim...limpa de qualquer preocupação,
Livre de qualquer castigo, de qualquer pudor de coisas a perder.
E essa nudez, a verdadeira, nunca ninguém viu.
Talvez quase escape por meus olhos semi-cerrados espiando, fotografando o instante móvel...difícil. Quase.
E na embiaguês, mas do que sempre: espiar...espiar...
Por que tanto? Como não canso?
Por que assim, de cima a baixo? De trás pra diante?
Pelas costas, traindo a sinceridade o olho no olho...
O dia é assustadoramente veloz e cru
Só a noite me permite espiar.

sábado, 25 de agosto de 2007


A chuva me dá a preguiça que eu gostaria de assumir muitas vezes.
Eu finjo culpá-la, mas lhe sou grata até...tenho segredinhos com ela.
Sonoplastia que eu gosto essa...delicioso descompromisso com a vida.
Eu sei que é apenas chuva, mas em mim, surte um efeito assim, de arrombamento.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Ladro mas não mordo

Meus olhos pararam, até parei de mastigar; é como se eu estivesse despertanto para algo que me desilude.
Desagradável notícia se pôs à minha frente, dita por minha própria voz.
Estranho ser eu mesma a mensageira e a receptora da tal notícia;
Pergunto se vai dar certo, eu mesma respondo que não.
Eu reclamo e me presenteio com um tapinha nas costas acompanhado de um "vai passar". Chato isso, né?
Procuro evidências, disfarço bem, afinal, não quero achá-las de verdade.
Minto. É feio, me ensinaram. E para si mesmo, conta? Ah, sobre isso não me falaram, não...
Tento proteger meus próprios sentidos da dor, falho na minha educação.
O entusiasmo ameaça ir embora quando faço um esboço de ser sensata. Pfpffpf...desastre eu.
Leio, releio, escrevo, apago, escrevo rasgo, amasso de acordo com a vontade de dar sumiço naquilo. A fotografia na parede que me tira o sono que me resta. Reboliço generalizado, um passo à frente, dois para trás. Estou sem moral perante mim mesma [ambas as "mins"]. Sento e espero. Espero recuperar o fôlego, espero uma solução, espero o tempo passar. É uma ingratidão, eu sei, começar o dia já assim, pensando em acabá-lo. Escrava do sonho.
O dia acaba e não saí um milímetro do lugar. Nem com má notícia, nem com evidências, os apelos não me comovem, efeito zero. Ancorei, não me pergunte com base no que, com que garantia, com que idéia. Ancorei neste lugar e pára o barco que eu vou descer e conhecer tudo! Já volto.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

desastrosas tentativas

Desastrosas tentativas de um encaixe perfeito
De lembrar de um sonho,
De fixar na mente aquela imagem ali da parede
Escrever a melhor palavra, a melhor rima
Onde possa caber um instante de canção
Para que não me escape dos ouvidos nem das mãos
Nem dos olhos risonhos
Esse quadro de jardim ao Sol
Jardim onde piso descalça e às tontas
Não sei enfileirar meus passos, desculpe...

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

O mar...o tempo-mar [deixando ser como será]

A ressaca traz para a beira tudo o que era remar
Os passos, os traços, os nomes
De quem não pode navegar e fica assim, a olhar...
Quem é que conhece os segredos do mar?
No horizonte nublado, o peixinho a saltar?
Quem sabe, além dele, o que guarda o lado de lá?
O lado onde não dou pé, onde não consigo chegar.
O peixinho me olha e diz: vem!
Se a onda o leva embora, fica quem?
Peixinho azul, tarde de sol,
Mas o cinza cobre, a nuvem pára pra chover
E o mar, revolto, se afoga em si...
O que a onda levou a areia não verá,
E o que restar por ali, ali vai ficar.
O mar, no compasso do tempo, há de acalmar;
O mar leva tudo, sinto medo de entrar...
O peixe tem medo do aquário
Como a areia do inverno tem medo do mar.
O mar vai voltando ao sossego
E o tempo lhe diz pra deixar...deixar...
O mar leva embora o instante, o sorriso
E o peixinho a saltar;
O mar não me cabe, me sinto chorar
Borra a palavra na areia, a areia me foge das mãos
E fica um olhar de silêncio perdido no chão
Porque o mar leva tudo mas fica a canção...

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Aqui vou eu de novo com esse meu falso arrependimento
Por não saber evitar a repetição de um velho erro
Mas quem sabe o que são erros...?
Você...? Ora, nem tente.
Por isso fico assim, teatral e me torturo com ofensas absurdas
Como se quisesse o diferente a isso.
Negação,
Defesa,
Teoria,
Fuga,
Tudo muito teatral.
Descalça num solo que arde,
Provando do que será mesmo só prova...quem sabe?
Tenho dó de mim às vezes,
Por me deixar ferir assim em pedra, espinho,
Por objeto decorativo das paisagens do impossível que sou
Como se eu fosse a mãe zeloza e também a criança frágil.
Não sei até que ponto isso é ruim.

quarta-feira, 25 de julho de 2007

As palavras não ditas

Odeio o revés das palavras que ficaram pairando entre nós;
Horrível é o gosto delas voltando boca adentro, porque elas já voltam frias, fracas...
Não quero de volta nem o que pensei em te dizer,
Só me vale o que de inédito um desejo pode ser.
As palavras desperdiçadas preferem a indigência de um banco de praça do que a volta arrependida para a alma vasta.

A Voz

Resisto à essa voz que me vem aos ouvidos tentar ressussitar essa parte-nada que tenho.
Pedaço meu de muito pensar, pouco fazer, medo de tudo.
A voz então me vem gritar, já que desse ângulo pareço morta.
Ela quer me falar de paraíso. Resisto
Por projeto de pessoa que sou.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Era para ser segredo

Como uma confissão que se torna necessária sabe-se lá porque. Dada à latência de um sentimento pós-novo ou à angústia do que é antigo e ameaçador.
Uma idiotice, mas eu nunca tinha percebido como os teus olhos são bonitos.
Uma noite sem promessas de um presente bom,
Sem a exposição empolgante, instigante ao ainda nem visto.
Uma noite qualquer, de um sono qualquer, de um livro qualquer,
De um repouso anti-madrugada, a nada.
Nem divertida, nem triste. Solitária noite, só... Falta de faltas,
Sem muitas perturbações aos meus ouvidos de eco.
Sinto uma felicidade infantil por não estar na rua,
Poder tirar os brincos, apagar a luminária e sonhar.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Eu falo coisas que me cantam aos ouvidos,
Não sei a que ponto instinto,
A que ponto ânsia,
A que ponto sede.
Cedo como se fosses a praia
De quem ficou à deriva,
Como se nada houvesse ao redor,
Esses coloridos todos.
Não entendes o que falo,
Não ligo,
Não há de dar certo mesmo.
Eu cultivo o desapego,
Te dando o que ainda é meu,
O que é meu domínio.
Presto atenção aos teus detalhes mais bestas
E descubro paisagens com as mãos.
Minhas mãos em ti:
Me parece um retrato perfeito
Para um início de fim.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Ela SEMPRE tem razão

Para Maitê

Ela conhece os meus olhares. Conhece o brilho e o pranto, o fixo e o vago. Não importa qual deles, ela conhece todos. E pensa que Ela não conhece a diferença entre um sorriso e o outro? Pois pergunte. Ela é a guardiã dos labirintos que me habitam. Ela cospe de volta chaves de portas que EU engoli e tranca meus portões contra invasores, mal-feitores...
Por tanto conhecer, eu já não causo mais surpresa alguma. Isso, em qualquer outra situação, eu chamaria de monotonia, mesmice; nesta, chamo de leitura sem legenda.
É por Ela que grande parte de mim é boa. São delas as mãos que me confortam, e são delas também as palavras sábias, mágicas que me salvam das beiras de abismos; dela eu aceito qualquer sussurro do qual possa entreler "tô aqui". Encorajadoras são as suas palavras de ordem, nobres são suas bandeiras; com elas eu vou além, porque vou invadida de amor, do Seu amor.
Se dou de cara com meu lado falho, feio, é Ela quem vem me dizer que todo mundo erra. Eu já sei disso, mas SEMPRE preciso que Ela diga. Ela me ensina a sentar resignada no banco do réu, mas me aponta onde fica saída; porque ela entende de perdão, e só acredito no que Ela me diz, porque, acima de tudo, Ela entende sobre verdade. Ela decifra meus códigos, índices, gráficos... pergunto-me como ela pode enxergar tão bem do lado de cá e ao mesmo tempo enxergar além. Sei lá que segredo é esse; Ela pode até dizer que não, mas é um pouco bruxa sim... Ela profetiza, filosofa, poetiza...meta-se com Ela!
Dá licença. Que me perdoem Nostradamus, Jesus Cristo e o 'escambau', mas é ELA quem sempre tem razão.

sábado, 9 de junho de 2007

Já que tô aqui...

Alguém me dê notícias de mim.
Daquela mim,
Que e
scorre pelos dedos alheios,
Que é furtada por frestas de bolsas,
Que está sob o asfalto da rua e sob tua coberta,
E aberta para bêbados e cães.

Encontrada.

domingo, 27 de maio de 2007

Chamam-me de original e não vêem que o que tenho é um enorme cansaço
E que sou toda enjôo de tanta influência de TV,
De tanto braço gasto em tanque, tanta coisa velha por fazer.
Vou dando ré e meu medo de até onde posso voltar
Me dá a ânsia que paralisa;
Aqui onde estou é o aglomerado de onde não posso estar
E me chamas de feliz...
Ora, não julgues meu riso segundo teus resmungos,
Nada sabes nem de saberás a meu respeito de fato
E achares que sabes tudo de ti e arredores é pecar.
Sigo rastros de silêncio já que da canção não faço parte;
Dispenso conversas inúteis,
Pessoas-enfeite,
Amores carentes.
Estou exausta desse mundo contextualizado,
Limitado, inventado
Por essas almas que inventam paixões por pena de si próprias.
Sou sem amor, mas diga-me:
O que é amor pra ti???
É como escolher uma roupa para vestir?
Que sirva, que combine, que identifique e não sufoque?
E é a mim que chamas de triste...
Triste é esse quadro que eu vejo,
Essas mentes doentes querendo me colocar
Em algum lugar na "tabela do certo & errado"
Porque não podem me ver assim, saltitando nas linhas...

quinta-feira, 17 de maio de 2007

" Um Sopro de Vida"

" O resultado fatal de eu viver é o ato de escrever. Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim."

(Clarice Lispector)

Preguiça

Grandessíssima preguiça de escrever, ou será medo da nudez?
Não sei. Coisas se movem aqui dentro e o instante parece curto demais, vago demais e absurdamente veloz. Calo como se buscasse solução para a inquietação. Evito a análise, pareço não estar parecendo; chamo atenção. Não quero. Quero estar a sós e me permitir ficar atônita com tudo.
Deixa? Deixo. Deixo de lado as besteiras que pensava pensar. Seco tempestades. Talvez venha daí a preguiça. Do inundar-se para nada.
Para nada? Qual a distância entre o meu nada e o tudo do todo?
Ah, inquietações... É tudo tão simples. É noite.
A espera do ônibus, as conversas, o sono. Tudo isso é a noite. Eu existindo é a noite.
Ausência de porquês, de poréns. E tudo é simplesmente a noite trazendo com ela essa alma querendo conversa de bar a essa hora!

domingo, 6 de maio de 2007

Olhos abertos

Palavras que não são minhas, mas tomo-as como se fossem:

"Vendo os olhares desertos de tantas pessoas antigas
Tantas pessoas amigas querendo um cigarro e um carinho
Gente que puxa uma briga na estrada com os olhos brilhando
Precisa só de um abraço, bem forte, bem dado

E eu quero encontrar as pessoas
De mãos e de olhos abertos
Sem me preocupar com dinheiro e posição

Eu preciso encontrar as pessoas
Ficar de mãos dadas com elas
Conversar com a boca dos olhos e os olhos do coração."

"Olhos abertos" (Zé Rodrix/Guttenberg Guarabyra. Interpretação de Elis Regina)
Chuveiro quente,
Pensar vazio.
Andar por essa casa é como a espera na estação;
Viver essa vida é como estar empoeirada em uma estante;
Estar aqui, inteira, é uma traição,
Mas a quem estou traindo?
Eu quero cair fora dessa pele,
Dessa casa,
Desse cargo,
Desse espaço,
Dessa rua.
Que vão-se os anéis e os dedos,
Se novos tiver.
Quero todos os renascimentos,
Todos os recomeços
E não quero mais esse nome,
Essa casca.
Lê-me, tira-me dessa estante;
Leva-me para perto da desordem do que é vida.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Paixão

Um correr de olhos ansioso,
Um riso de alívio, de nervoso.
Choro atravessado na garganta, engasgo.
Paixão.
Um ruído qualquer denuncia a presença.
O bater da porta me engana, ela não se foi.
Ela está ali, como uma afronta,
Como um vício.
Querendo vingança, ou querendo mais.
Recusa-se ao retiro,
Como velha inquilina que é;
Não aceita o equilíbrio,
Nem se refugia, faz frente.
Não nega a si mesma,
Vacila, tem picos,
Culpa da saudade,
Essa "leva e trás" dos infernos...
Rasgando meu peito,
Envenenando o que é bom em mim.

Mão no interruptor,
Insônia.
Caminho sem volta,
Eu, objeto da tua ação.
De cara no abismo,
Entregue.

domingo, 22 de abril de 2007

Poema ao amigo

O André é o André dos passos soltos,
Dos olhos pretos rasos,
Do Lobão mais do que "bão",
Do vinho,
Do violão
E do verso
Como uma afronta para o mundo
Mas nós ligamos para o mundo...?
O mundo é um grande boteco:
Uns entram e saem,
Outros entram e se divertem,
Outros saem atordoados com tudo,
Outros simplesmente não saem mais...
Acende teu cigarro e observa:
Nossas bocas estão roxas
E nossas mentes fervilham
Como a sopa da vovó.
Escuta aquela nossa velha bossa-nova
E vamos nessa, vamos de mãos dadas,
Mergulhando nessa piscina de loucuras
Sem prender respiração.
Mil perdões se não te agrado
No completo, no real;
Se não ligo para o teu problema de plástico
Depois de ter visto que a vida é um fiapo
Sobre o qual bincamos de corda-bamba.
Desculpa pelas verdades enrustidas,
Por ter escolhido a verdade de mim mesma.
Desculpa se não sei desculpar,
Se não sei disputar,
Nem acreditar no que me dizes.
Desculpa pela minha falta de jeito,
Pelos maus modos,
Por te tratar feito objeto,
Feito objeto que já fui...
Desculpa pelo meu encarar a vida,
Se meu sorriso te afronta ou te causa dúvida;
A dúvida é a ausência do óbvio,
O que já me agrada.
Perdoa-me por não sermos do mesmo mundo,
Por meus sonhos serem os MEUS.
Desculpa ser o que sou
E se não rimo com o que falas,
Se não combino com tua sala,
Se destôo no meio das tuas flores.
Desculpa se não sei mais amar,
Ou se não quero.
Desculpa se grito,
Ou se preciso da embriaguês para brilhar às vezes...
Desculpa se te (me) engano ou assusto,
É que não sei ser outra coisa agora
E não posso deixar de ser todas essas que me batem à porta.
Desculpa escorregar por entre teus dedos,
Desculpa se só faço fugir.
Desculpa, me solta.

Madame Bovary sou eu

"Acostumada aos aspectos serenos, voltava-se, pelo contrário, para os acidentados. Não gostava do mar senão pelas suas tempestades e da relva unicamente quando era alternada com ruínas. Sentia uma necessidade de poder tirar das coisas uma espécie de proveito próprio, e repelir como inútil tudo que não contribuísse para a alegria imediata do coração, porque tinha um temperamento mais sentimental que artístico, procurando emoções e não paisagens." (FLAUBERT, Madame Bovary)