quarta-feira, 6 de julho de 2011

"pro seu santo não era um qualquer um"

Os dias são assim, tio, passou um mês e a notícia só vai ficando mais velha. E talvez por não ter acreditado muito bem ainda, demorei tanto pra escrever. O jornal apaga, esquecemos um pouco o medo, o rancor, a tristeza e pensamos em ti, nesse triste fim.

O Inter estava jogando (e ganhando) ... o nosso colorado! Enquanto alguém - "por engano, vingança ou cortesia" - te avariava o corpo no meio da rua.

Eu não queria que fosse assim, tio. Teu irmão ter te visto daquele jeito, contrariando o herói sempre, sempre, sempre irresponsável que foste... tua mãe perguntando “o que tinham te feito? Como te pegaram assim?” E ninguém sabia explicar.

Não foste santo, é o que lembramos junto com a saudade. Das tuas piadas infames, das sem-vergonhices imensas. Talvez a gente tenha o fim que mereça nessa vida e nossos pais jamais vão concordar com isso, com a forma que escolhemos viver nossa vida. Tudo vira drama antes mesmo de ser. Gastaste sapatos, correste o mundo e viveste numa velocidade para loucos. Te orgulhavas de dizer que “parou quando quis” e não deu tempo de te perguntar por que não quiseste mais parar.

Só sei/sabemos que te enterrar foi – antes de tudo – uma decepção para todos nós. Tu escapavas de todas, não tinha Cristo, mãe ou médico que te parasse. Tua mãe não merecia, saber da tua morte daquele jeito. Quem ia fazê-la acreditar? Só podia ser mesmo mentira.

E ficam as tuas risadas, ficam teus poucos ensinamentos (“quem pra cima cospe...”) e é difícil não pensar que antes de TANTAS coisas, me carregavas pequena sobre os ombros e, do alto, dos teus 1,94m o mundo era TÃO GRANDE; que me mostravas açudes, galinhas, Cazuza, Rita Lee; que me deste meu primeiro som com CD e ursinhos de máquina; que ensinavas como um mantra que a única rádio que prestava era a Ipanema, porque era Rock; e que me dizias que eu tinha o teu jeito de se vestir quando era novo, sempre de preto.

E que aparecias lá em casa pra almoçar com uma namorada nova a cada final de semana e, por isso, então, deixaste umas quatro viúvas... entre ex-mulher, ex-amante, ex-ficante. Incluindo uma que te tatuou “amor eterno” nas costas, nomeado e tudo. Pobres moças...

Ai, tio, se essas alegrias pelo menos te segurassem, mas nem isso.

É a vida.

E devemos lembrar das coisas boas, não da dor e de ‘como poderia ter sido’. A vida é assim, errada, doida.

Te escrevo e te desejo paz. Vê se sossega um pouco, que a gente aqui vai levando e cuidando um do outro. Meio no tranco, meio na marra, um passo por vez.



E como Onze Fitas ( Interpr.: Elis Regina/Comp.: Fátima Guedes ) é triste demais (e a verdade nunca rima mesmo), hoje, vou te dedicar esse sambinha da Nara Leão:

Malvadeza Durão

Composição: Zé Keti

Mais um malandro fechou o paletó
Eu tive dó, eu tive dó
Quatro velas acesas em cima de uma mesa

E uma subscrição para ser enterrado
Morreu Malvadeza Durão
Valente, mas muito considerado

Céu estrelado, lua prateada
Muitos sambas, grandes batucadas
O morro estava em festa quando alguém caiu

Com a mão no coração, sorriu
Morreu Malvadeza Durão
E o criminoso ninguém viu.